janeiro 10, 2008

comentário ao capitulo "idiotia e esplendor actual" do livro de Mario Perniola: "A Arte e a sua sombra"

Neste capítulo do livro, Mario Perniola incide em aspectos relacionados com o realismo na arte, referindo que sempre coexistiram duas tendências opostas: uma centrada na aparência, e aí temos aqueles que ambicionam libertá-la do peso dessa mesma realidade, e outra, centrada na experiência da realidade, onde se busca uma percepção mais forte desta. Por outro lado, o autor refere haver em paralelo uma irrupção do real, centrando-se os artistas nos aspectos mais vis do real, invocando símbolos que ao espectador suscitam o medo, o nojo a repugnância, então o que acontece é que, ao invés de haver uma contemplação pura do real, é antes confrontado com uma representação de um real que provoca à volta: o medo, o desejo, a dor. Assim, coloca-se uma questão: não será deste modo o espectador, como quê, confrontado com os seus fantasmas, os seus desejos mais ocultos e recalcados? É esse real que insurge, onde a bela e normal aparência das formas passa a ser apresentada através de desmembramentos, dissecações, de próteses e interfaces. Este real passa a ter que ver com o homem, a máquina e dispositivos tecnológicos. O natural e o artificial misturam-se, e aqui, o autor defende que, o virtual pode assumir uma dimensão simbólica do real e não uma desrealização da arte, o que eu concordo, pois, na minha óptica, o real simulado acontece também no virtual, na medida em que o público pode manusear e interagir com o virtual. Ao ler este ponto do livro, fui levada a pensar por exemplo na obra de Sterlac, um artista essencialmente virtual, que pega na deficiência genética básica do corpo humano como suporte para o seu trabalho, também Jeffrey shaw e Dirk Groenveld, são um exemplo, pois juntos criaram uma instalação interactiva gráfica por computador, os observadores simulavam um percurso num espaço virtual em que o realismo era criado pelo próprio espectador/observador.
A própria ideia do real, para o autor, obedece então a uma espécie de paradoxo, pois apresenta essa ideia de real como pobre e rico simultaneamente, questiona-se então a categoria de real, uma vez que esta definição pode levar a duas directrizes/percepções distintas: O real como idiotia, e o real como esplendor. O autor estuda estas vertentes como visões antagónicas, na medida em que o real como idiotia tem a ver com o estudo das manifestações artísticas da comunicação de massas, fenómeno acompanhado de sombra, e segundo o autor, associada à magnificência. O que achei interessante foi a ideia de que, deste esplendor, não é possível reter uma luz, uma vez que esta facilmente se perde.
Perniola afirma a existência de uma sombra que cresce na mesma proporção em que se desenvolve a democratização da arte Hoje, não havendo certezas estéticas e criticas, considera-se que é possível alcançar o real sem qualquer teorização subjacente. Os objectos eram arte quando assim considerados, mas o grau zero da teoria retira a aura à obra ao autor ao crítico e instituição. Isto acontece pois segundo o autor, o realismo de hoje não prescinde de mediação teórica, tudo isso leva-nos a questionar a definição de real. Vai-se então buscar Lacan, na ideia do simbólico, imaginário e real, sendo então o real algo que difere do verdadeiro e da dimensão simbólica, perdendo-se as palavras, o que gera angustia. Já para Foster, o realismo de hoje tem a ver com o colocar o espectador perante algo aterrador, aqui penso que se vai de encontro àquela ideia referida inicialmente no capítulo, ou seja, a tal representação do real da arte como algo que provoca medo, repulsa sendo essa repulsa categoria principal da estética contemporânea. Para kolnai o repugnante era o cadáver a putrefacção. Repugnante e trauma funcionavam como uma metáfora em relação à arte dos nossos dias e ao que é real ou não. O autor, a partir daqui, baseando-se em Lacan e Schelling, formula interrogações, que têm a ver com o real poder ser considerado repugnante ou não, isto porque se pondera o repugnante como algo ainda muito próximo do ser humano. A arte segundo a opinião de Lacan pertence à ordem simbólica e não ao real. Rosset introduziu o termo idiotia, que para além do significado comum de estúpido e sem razão, tem também significado de particular e único, sendo o real na sua idiotia, difícil de percepcionar, é o oposto de repugnante, incapaz de reflectir-se
O autor conclui que apesar de tudo, a visão do realismo na arte não é apenas negativa, devido as noções de repugnância e idiotia, esta visão abre-se também a caminho positivos . Há uma tendência da arte em se dissolver na comunicação, porque é ai que tudo começa e na moda pois tal como a moda partilha a novidade e o desafio, a necessidade de ligação directa com o espírito do tempo. A comunicação pode também parecer atraente devido a publicidade, no entanto é o imaginário social que permanece sobre o real. há primeira vista parece sedutor mas logo se torna imaginário. A positividade do realismo extremo, recai numa procura de um rumo que salve o carácter único e singular da arte, não a tornando em publicidade e comunicação para que possa assim caminhar a um esplendor.
No final deste capítulo Perniola faz uma espécie de desmistificação da ideia de real, reconhecendo os estudos teóricos de autores e conceitos para a arte e estética. “Nas obras mais importantes e significativas do realismo psicótico, existe um belo extremo”, querendo com isto dizer que devemos no fundo tentar ver o positivo da arte extrema ou realismo extremo, e entender o esplendor, a magnificência a que também é possível levar, para não ficar com uma ideia errada de real.

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